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Ribeirão das Neves,28/08/2025

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Crianças que assistem a agressões têm de ser "protegidas de imediato"

noticiasaominuto.com
Crianças que assistem a agressões têm de ser "protegidas de imediato"

As imagens de um homem a espancar a mulher em frente ao filho, em Machico, na ilha da Madeira, na madrugada de domingo, estão a chocar o país. 


 

Além da violência das agressões e dos gritos da vítima, as câmaras de videovigilância captaram o desespero de um menino de apenas 9 anos que tenta proteger a mãe, colocando-se à sua frente e implorando ao pai para que pare.


Quem viu as imagens, que o Notícias ao Minuto optou por não reproduzir, fica com o eco de um pedido desesperado: "Pai, não batas, por favor". Enquanto a mãe chora, prostrada no chão.


A situação tem gerado muita consternação não só pela brutalidade com que o homem, que é bombeiro e barbeiro, agride a mulher, como também pela sua indiferença perante a presença do filho que, apesar de não ser agredido, é também uma vítima do episódio, ao que tudo indica, recorrente.


Para perceber que impacto que o crime de violência doméstica tem nas crianças, mesmo quando estas não são agredidas fisicamente, o Notícias ao Minuto falou com uma psicóloga Joana Alexandre, da Direção da Ordem dos Psicólogos.


"Experiências que ultrapassam a capacidade da criança de compreender e gerir"


Sem se referir ao caso do menino da Madeira em particular, a psicóloga começou por explicar que "a exposição a uma situação de violência doméstica configura-se como um dos exemplos do que a literatura designa por experiências adversas na 1.ª infância quando estamos a falar de bebés até aos 6 anos de vida. Tratam-se de experiências que ultrapassam a capacidade da criança de compreender e gerir, afetando o seu desenvolvimento emocional, cognitivo, relacional e até físico. Experiências adversas repetidas podem provocar alterações ao nível do desenvolvimento cerebral, inclusivamente".


Mas a violência doméstica não tem só impacto em crianças até aos 6 anos. "Mesmo com crianças acima desta idade, a violência doméstica tem, na generalidade, um impacto muito negativo, seja a curto, médio ou longo prazos, quer a nível emocional (por exemplo, desregulação emocional), quer cognitivo (por exemplo, questões de atenção - a criança está permanentemente hipervigilante), quer comportamental (isolamento decorrente muitas vezes da vergonha, de sentir-se diferente das outras crianças, ou pelo contrário, comportamentos de agressividade)", esclareceu, lembrando que estes traumas afetam não só o presente dos mais novos, como o seu futuro como adultos.


"A criança sente medo e ansiedade e é espoletado o que se designa por stress tóxico. Pode gerar sintomatologia depressiva, ou quadros de depressão e problemas de vinculação (dificuldade em confiar nos adultos) a médio e longo prazos. A médio e longo prazos pode despoletar sintomatologia que se enquadra no quadro de Perturbação de Stress Pós-traumático [TEPT], tendo por exemplo como sintomas os 'flashbacks' ou os pesadelos recorrentes", realçou, recordando a importância de "identificar fatores de proteção que possam reduzir ou mitigar estes efeitos".


É preciso "apoiar" e "proteger" de imediato estas crianças


"Mesmo que se identifique um impacto a curto prazo, importa encontrar respostas que mitiguem esses efeitos a médio e longo prazos. Por exemplo, o apoiar (como aceder rapidamente a serviços especializados de apoio técnico especializado, ter uma comunidade envolvente que não julga, não culpabilizar as vítimas) e o proteger (criar contextos de vida securizantes e rotinas previsíveis)", enunciou.


Para que isso surta efeito, uma criança que presencie uma cena de violência doméstica deve ser acompanhada de forma "imediata" e especializada. Um acompanhamento onde se possa avaliar, "num primeiro momento, os primeiros sinais de sofrimento psicológico, devendo depois este acompanhamento ser focado no trauma e na construção de mecanismos de resiliência e empoderamento". Respostas estas que podem ser encontradas, por exemplo, na página Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).


Joana Alexandre não tem dúvidas que o facto da criança, que passa por uma situação como a da violência doméstica, ser "imediatamente apoiada e protegida" pode fazer a diferença. Neste sentido, defende que "devem ser criados mecanismos que visem retirar a criança da situação de perigo de forma imediata e colocá-la num contexto securizante, preferencialmente junto de figuras adultas de referência (em termos de vínculo afetivo)".


"Tranquilizar", mas sem criar falsas expectativas


Além disso, "é importante falar com a criança, tranquilizá-la porque ela estará preocupada com outras vítimas (mãe ou irmãos) e é importante garantir condições de segurança para todas elas".


"É também importante a escuta ativa (para uma ventilação emocional se a criança assim desejar) porque muitas vezes existem sentimentos de ambivalência para com o progenitor agressor. E também não criar falsas expectativas como 'o teu pai vai preso' ou "'vai ficar tudo bem'", salientou ainda a psicóloga em entrevista ao Notícias ao Minuto.


Escola pode ser o 'local seguro' para muitas destas crianças


Questionada sobre a forma como a escola deve agir para menorizar os danos provocados pelo crime da violência doméstica, Joana Alexandre começou por sublinhar que "a escola é um dos contextos mais securizantes para muitas destas crianças", tal como provou o projeto-piloto 'A Teu Lado', liderado pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens, e que envolveu seis territórios (na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve).


Através deste projeto-piloto, que contou com o apoio da Ordem dos Psicólogos, "procurou-se compreender que mecanismos são facilitadores de uma melhor articulação entre as diferentes entidades envolvidas nos casos de violência doméstica onde existem crianças envolvidas (OPC, CPCJ, Escolas, Ministério Público)" e as conclusões são claras.


"Compreendeu-se a importância de ter pontos focais em cada entidade, o que agiliza esse trabalho em rede, tornando a comunicação mais fluida. Por exemplo, como muitas situações de violência doméstica acontecem durante a noite, se a escola souber no dia a seguir que a polícia foi a casa da criança, no estabelecimento de ensino, a criança vai ser acolhida de uma forma mais contentora, não vai ter uma consequência negativa por não ter feito os trabalhos de casa, ou por não trazer equipamento de educação física, por exemplo. E, desta forma, evita-se a revitimização das vítimas", fez sobressair.


"A criança é parentificada. Passa a ser cuidadora da vítima"


Já sobre o facto de muitas crianças, confrontadas com situações de violência doméstica, saírem em defesa das vítimas adultas ou menores, como irmãos, a psicóloga referiu que esta é uma atitude "comum", principalmente, "tendo em conta a imprevisibilidade da situação e a impotência que é sentida".


"A criança é muitas vezes parentificada, ou seja, passa a ser cuidadora da vítima adulta ou dos irmãos. É uma reação à própria situação adversa e no âmbito do acompanhamento psicológico deve ser trabalhada, porque muitas vítimas sentem culpa por considerarem – erradamente – que devem proteger as vítimas do agressor, sendo a criança ela própria também vítima direta", destacou, aproveitando para partilhar dois vídeos sobre "a violência doméstica contra crianças" da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ).



Recorde-se que, na situação em questão, que ocorreu na ilha da Madeira, o menino de 9 anos, colocou-se em frente à mãe, como se de um escudo se trata-se. Indiferente, à sua presença, o pai continuou a agredir a mulher.


O agressor, que foi detido após as imagens do espancamento se tornarem virais, será presente a primeiro interrogatório judicial esta quinta-feira, 28 de agosto para conhecer as medidas de coação tidas como adequadas. 


Leia Também: Bombeiro filmado a agredir mulher na Madeira será ouvido na quinta-feira




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